Culpados Jamais - O Ópio dos Pós-Modernos
A culpa se tornou um artigo de luxo, ninguém a quer, todos a terceirizam. A responsabilidade, esse fardo glorioso que distingue o homem livre do escravo, foi lançada ao lixo por uma sociedade que canonizou o vitimismo como virtude suprema. Não se trata de empatia, compaixão ou justiça. Trata-se de um projeto: o de transformar sujeitos morais em objetos ressentidos, incapazes de responder por si mesmos, sempre à espera de um salvador institucional, uma reparação coletiva, um perdão genérico vindo do Estado.
Não é exagero dizer que o vitimismo se tornou o sacramento da modernidade. Ele é celebrado nas redes sociais, nos palcos da militância identitária, nos púlpitos acadêmicos e nas novelas didáticas que fingem representar a “diversidade”. Mas o que realmente promove essa cultura é o colapso da consciência pessoal. A ideia de que somos autores da própria história deu lugar à fantasia de que somos vítimas perpétuas de narrativas opressoras e contextos históricos.
Não há mais pecadores, apenas feridos. Não há mais erros, apenas traumas. Assim, a cultura da responsabilidade é desmontada peça por peça, como se fosse um obstáculo ao progresso. A culpa agora é sempre de outro: da sociedade, do sistema, dos pais, do patriarcado, da colonização, do capitalismo, da branquitude, da masculinidade tóxica, escolha seu bode expiatório. O que importa é manter intacta a pureza da própria imagem. Trata-se de um narcisismo disfarçado de justiça.
Ao desmantelar o senso de responsabilidade pessoal, também se destrói a capacidade de amadurecer. A infância se prolonga para além da juventude, como um estado psicológico perpétuo. O adulto pós-moderno é um adolescente com cartão de crédito: deseja os direitos sem os deveres, a liberdade sem as consequências. Exige acolhimento universal, mas se recusa a ouvir verdades. Quer respeito, mas não oferece autoridade moral. O mundo precisa adaptar-se ao seu desconforto, e qualquer exigência de superação pessoal é logo denunciada como opressão.
Essa infantilização do sujeito é meticulosamente alimentada por estruturas que lucram com sua passividade: o Estado-babá, a mídia lacradora, os gurus de autoajuda, os terapeutas de TikTok. Todos prometem a mesma coisa: você não precisa mudar, o mundo é que está errado. Isso é mais do que um equívoco. É uma perversão espiritual. Porque, sem responsabilidade, não há redenção. Sem reconhecimento da própria culpa, não há transformação. O homem que não se vê como responsável por sua miséria está condenado a repeti-la eternamente.
E o que dizer da linguagem que sustenta tudo isso? Termos outrora nobres foram sequestrados para justificar o contrário do que significavam. “Liberdade” virou licença para irresponsabilidade. “Justiça” virou vingança. “Empatia” virou censura preventiva. Estamos diante de uma reengenharia semântica, uma guerra simbólica na qual os conceitos são adulterados para impedir o pensamento autêntico. O espírito é capturado pelo sentimentalismo barato e pela chantagem moral. E quem ousa reagir é imediatamente rotulado.
Essa cultura não visa proteger os fracos, ela os fabrica em série. Porque quanto mais frágeis forem os indivíduos, mais forte será a máquina que os tutela. O vitimismo não liberta: vicia. Torna o homem dependente da piedade alheia, da reparação alheia, do discurso alheio. E toda dependência é uma forma de escravidão. O ressentimento é o seu alimento e o cancelamento, sua espada. A verdade? Essa é descartável. O que vale é a narrativa, o choro, a ferida exposta como medalha.
A cultura do vitimismo é, portanto, a negação da tragédia humana, e por isso, a negação da grandeza humana. Pois só quem reconhece sua culpa pode experimentar a liberdade. Só quem aceita o peso da responsabilidade pode aspirar ao céu. E só quem cessa de acusar o mundo pode, de fato, começar a transformá-lo.
José Rodolfo G. H. de Almeida é escritor e editor do site www.conectados.site
Se encontrou valor neste artigo, considere apoiar o site. Optamos por não exibir anúncios para preservar sua experiência de leitura. Agradecemos sinceramente por fazer parte do suporte independente que torna isso possível!
Entre em Contato
Para dúvidas, sugestões ou parcerias, envie um e-mail para contato@conectados.site
_____________________________
Never Guilty - The Opium of the Postmodern
Guilt has become a luxury item; no one wants it, everyone outsources it. Responsibility, that glorious burden that distinguishes the free man from the slave, has been thrown into the trash by a society that has canonized victimhood as the supreme virtue. This is not about empathy, compassion, or justice. It is about a project: to transform moral subjects into resentful objects, incapable of answering for themselves, always waiting for an institutional savior, a collective reparation, a generic forgiveness from the State.
It is no exaggeration to say that victimhood has become the sacrament of modernity. It is celebrated on social media, on the stages of identity activism, in academic pulpits, and in didactic soap operas that pretend to represent “diversity.” But what really promotes this culture is the collapse of personal consciousness. The idea that we are the authors of our own history has given way to the fantasy that we are perpetual victims of oppressive narratives and historical contexts.
There are no more sinners, only wounded people. There are no more mistakes, only traumas. Thus, the culture of responsibility is dismantled piece by piece, as if it were an obstacle to progress. The blame now always lies with someone else: with society, with the system, with parents, with patriarchy, with colonization, with capitalism, with whiteness, with toxic masculinity—pick your scapegoat. What matters is to keep the purity of one’s own image intact. This is narcissism disguised as justice.
By dismantling the sense of personal responsibility, one also destroys the capacity to mature. Childhood extends beyond youth, as a perpetual psychological state. The postmodern adult is a teenager with a credit card: he or she wants rights without duties, freedom without consequences. It demands universal acceptance, but refuses to hear the truth. It wants respect, but offers no moral authority. The world must adapt to its discomfort, and any demand for personal improvement is immediately denounced as oppression.
This infantilization of the individual is meticulously fed by structures that profit from its passivity: the nanny state, the media, self-help gurus, TikTok therapists. They all promise the same thing: you don’t need to change, it’s the world that’s wrong. This is more than a mistake. It’s a spiritual perversion. Because without responsibility, there is no redemption. Without acknowledging one’s own guilt, there is no transformation. The man who does not see himself as responsible for his misery is condemned to repeat it eternally.
And what about the language that sustains all this? Once noble terms have been hijacked to justify the opposite of what they meant. “Freedom” has become a license for irresponsibility. “Justice” has become revenge. “Empathy” has become preventive censorship. We are facing a semantic reengineering, a symbolic war in which concepts are adulterated to prevent authentic thought. The spirit is captured by cheap sentimentalism and moral blackmail. And anyone who dares to react is immediately labeled.
This culture does not aim to protect the weak; it mass-produces them. Because the more fragile individuals are, the stronger the machine that protects them will be. Victimhood does not liberate: it is addictive. It makes man dependent on the pity of others, on the reparation of others, on the discourse of others. And all dependence is a form of slavery. Resentment is its food and cancellation is its sword. The truth? That is disposable. What matters is the narrative, the crying, the wound displayed like a medal.
The culture of victimhood is, therefore, the denial of human tragedy, and therefore, the denial of human greatness. For only those who recognize their guilt can experience freedom. Only those who accept the weight of responsibility can aspire to heaven. And only those who stop accusing the world can truly begin to transform it.
José Rodolfo G. H. de Almeida is a writer and editor of the website www.conectados.site
If you found value in this article, please consider supporting the site. We have chosen not to display ads to preserve your reading experience. We sincerely thank you for being part of the independent support that makes this possible!
Get in Touch
For questions, suggestions or partnerships, send an email to contato@conectados.site