Do Mérito à Métrica - A Degeneração da Justiça
Toda tirania começa com uma mentira, e não uma mentira qualquer, mas aquela que se enraíza no coração do homem como segunda natureza. A mentira que, sob o pretexto de justiça, gera servidão. Que, invocando liberdade, ergue cárceres. Que, sob a aparência da ordem, institucionaliza o caos. Eis o truque mais antigo da humanidade: vestir a dominação com a toga da virtude, fazer do algoz um educador, e do espoliado, um ingrato.
Entre essas farsas, nenhuma se apresenta com mais pompa do que a chamada “justiça social”. Tomada a sério, ela exige que se suspenda a razão para que floresça a piedade ideológica. Seu objetivo não é premiar o mérito nem proteger o fraco, mas condecorar o ressentido. Trata-se, na melhor das hipóteses, de um conceito fraudulento que arma o burocrata com o cetro do redistribuidor benevolente. E quem lucra? Sempre os mesmos: os intermediários parasitários do poder, acadêmicos, militantes, ONGs, partidos.
Enquanto isso, a justiça verdadeira, aquela que emerge do direito natural, que reconhece a anterioridade da alma diante do Estado, é descartada como “elitista”, “retrógrada”, “opressora”. A lei rebaixa-se a ferramenta de engenharia social. Em nome da “inclusão”, fecha-se a porta para quem ousa ser livre. E o que é o Estado, senão a burocracia armada contra os que não se ajoelham?
Mas a mentira não para aí. Se a justiça já não é critério, o que a substitui? O arbítrio, travestido de técnica, de parecer jurídico, de estatística social. O totalitarismo contemporâneo não marcha com bota e fuzil, mas com planilhas do IBGE, relatórios da ONU e pareceres do STF. É a ditadura da métrica: já não importa se algo é justo, importa se atende aos indicadores segundo os "estudos".
Essa mesma lógica mentirosa contamina outro pilar da civilização: a moeda. Assim como a linguagem da justiça é corrompida, a linguagem do valor também o é, por meio da alquimia estatal. Não se trata de mera má gestão econômica, mas de uma transgressão espiritual: a ruptura de um pacto simbólico que fundamenta a convivência humana. A moeda, por natureza, é uma promessa de valor, e portanto, de confiança. Quando o Estado imprime moeda sem lastro, ele não apenas rouba, ele mente. A inflação é método, não acidente. Esvazia-se o valor da moeda para concentrar o poder de mando.
E como toda mentira exige ritual, criou-se a pseudociência econômica para justificar o roubo legalizado. O sujeito prudente, que deveria ser premiado pela poupança, vê-se punido. O juro negativo não é política, é pedagogia do desespero: obriga o cidadão a investir no que não compreende, a correr riscos contra sua vontade, a se entregar à roleta viciada dos mercados. E quando perde, culpam o “capitalismo selvagem”.
Aqui jaz o ponto central: a corrupção da moeda é a anulação do futuro. Um povo que não pode poupar é um povo que não pode sonhar. Sem sonho, não há resistência. E sem resistência, a servidão se instala com naturalidade. A esperança se degrada em cálculo de sobrevivência.
O cidadão, com seu CPF em dia, sua linguagem inclusiva e seu histórico de consumo, é o novo escravo. Um escravo que acredita ser livre porque pode escolher entre um cartão de crédito ou outro, entre uma indignação oficial e outra. A liberdade tornou-se objeto de marketing político. Não se vive mais em liberdade, vive-se da ilusão dela, sempre prometida, jamais entregue. E é aí que a mentira inicial retorna, triunfante: a mesma que corrompeu o conceito de justiça agora falsifica o próprio valor da vida, medido em uma moeda sem lastro e sem alma. A tirania moderna não precisa mais da força: basta-lhe a linguagem domesticada e o dinheiro adulterado. Contra isso, não há reforma. Há apenas o resgate da verdade, e a coragem de dizê-la. A verdade que distingue onde o discurso iguala, que resiste onde o sistema exige rendição. Pois enquanto aceitarmos que o chicote venha com certificado de boas práticas, continuaremos marchando para trás, aplaudindo o declínio como se fosse progresso.
José Rodolfo G. H. de Almeida é escritor e editor do site www.conectados.site
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From Merit to Metrics - The Degeneration of Justice
Every tyranny begins with a lie, and not just any lie, but one that takes root in the heart of man as second nature. The lie that, under the pretext of justice, generates servitude. That, invoking freedom, erects prisons. That, under the guise of order, institutionalizes chaos. This is humanity’s oldest trick: to clothe domination in the robe of virtue, to make the tormentor an educator and the dispossessed an ingrate.
Among these farces, none presents itself with more pomp than the so-called “social justice.” Taken seriously, it demands that reason be suspended so that ideological piety may flourish. Its aim is not to reward merit or protect the weak, but to honor the resentful. It is, at best, a fraudulent concept that arms the bureaucrat with the scepter of the benevolent redistributor. And who profits? Always the same: the parasitic intermediaries of power: academics, activists, NGOs, parties.
Meanwhile, true justice, the kind that emerges from natural law, which recognizes the soul's precedence over the State, is dismissed as “elitist”, “retrograde”, “oppressive”. The law is reduced to a tool of social engineering. In the name of “inclusion”, the door is closed to those who dare to be free. And what is the State, if not a bureaucracy armed against those who do not kneel?
But the lie does not stop there. If justice is no longer a criterion, what replaces it? Arbitrariness, disguised as technique, legal opinion, social statistics. Contemporary totalitarianism does not march with boots and guns, but with IBGE spreadsheets, UN reports and Supreme Court opinions. It is the dictatorship of metrics: it no longer matters whether something is fair, what matters is whether it meets the indicators according to “studies”.
This same false logic contaminates another pillar of civilization: money. Just as the language of justice is corrupted, so is the language of value, through state alchemy. This is not mere economic mismanagement, but a spiritual transgression: the rupture of a symbolic pact that underpins human coexistence. Money, by nature, is a promise of value, and therefore of trust. When the State prints unbacked currency, it does not just steal, it lies. Inflation is a method, not an accident. The value of the currency is depleted in order to concentrate the power of command. And since every lie requires a ritual, economic pseudoscience was created to justify legalized theft. The prudent individual, who should be rewarded for saving, finds himself punished. Negative interest is not politics, it is a pedagogy of despair: it forces citizens to invest in what they do not understand, to take risks against their will, to surrender to the rigged roulette of the markets. And when they lose, they blame “savage capitalism.” Here lies the central point: the corruption of the currency is the nullification of the future. A people who cannot save are a people who cannot dream. Without dreams, there is no resistance. And without resistance, servitude sets in naturally. Hope degrades into a calculation of survival.
The citizen, with his CPF up to date, his inclusive language and his consumption history, is the new slave. A slave who believes he is free because he can choose between one credit card or another, between one official outrage or another. Freedom has become the object of political marketing. We no longer live in freedom, we live in the illusion of it, always promised, never delivered. And that is where the initial lie returns, triumphant: the same lie that corrupted the concept of justice now falsifies the very value of life, measured in a currency without backing and without soul. Modern tyranny no longer needs force: it only needs domesticated language and adulterated money. Against this, there is no reform. There is only the rescue of the truth, and the courage to tell it. The truth that distinguishes where discourse equalizes, that resists where the system demands surrender. Because as long as we accept that the whip comes with a certificate of good practices, we will continue marching backwards, applauding decline as if it were progress.
José Rodolfo G. H. de Almeida is a writer and editor of the website www.conectados.site
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