Revolução - Notas para uma autópsia da esperança pervertida
A revolução, ao contrário do que apregoam os aprendizes da nova fé secular, não é um clamor espontâneo dos oprimidos, é uma ficção intelectual, meticulosamente arquitetada por engenheiros sociais cuja patologia profunda é a negação da realidade. Confundida com rebeldia moral, com inconformismo diante da injustiça, ela é, na verdade, um sintoma avançado de niilismo, disfarçado de virtude.
Não se engane: o revolucionário típico não busca corrigir as imperfeições do mundo, mas substituí-lo por uma caricatura ideológica. A mentalidade revolucionária nasce de uma recusa, não de uma proposta: recusa da tradição, da ordem espontânea, da herança cultural, da hierarquia natural, da transcendência. Sua utopia é um mundo onde nada nos precede, onde tudo pode ser reinventado sob medida, ao gosto do demiurgo ressentido que o habita.
Todo revolucionário é, no fundo, um iconoclasta litúrgico: a sua religião é o culto da demolição. Ele não ama o futuro, ele odeia o passado. Por isso, sua linguagem é sempre de ruptura, nunca de continuidade. Sua promessa não é de edificação, mas de aniquilação do que é. Sua imaginação política é destrutiva por definição. O revolucionário não planta; ele salta por cima das estações e exige a colheita antes mesmo de arar a terra.
E a violência, neste teatro macabro, não é acidente colateral, mas sacramento. A guilhotina não é uma degeneração da Revolução Francesa, é sua epifania. Os campos de concentração soviéticos, o expurgo cultural maoísta, as execuções sumárias em Cuba, o terror do Khmer Vermelho, tudo isso não são desvios, mas expressões legítimas de um princípio que já continha, desde o início, o germe do extermínio.
A mentira fundamental da revolução, e aqui está sua astúcia diabólica, é a de que a história caminha inevitavelmente em sua direção. Cria-se um tribunal imaginário, assentado no "futuro", diante do qual todo opositor é réu por anacronismo. Os que ainda respiram ar de realidade são taxados de reacionários, retrógrados, obscurantistas. E o veredito já está dado: a execução não será discutida, apenas executada, se não com armas, com rótulos, silenciamentos e cancelamentos públicos.
O motor dessa engrenagem é o ressentimento. Um ressentimento profundo e inconfessável diante de tudo aquilo que transcende o revolucionário: a beleza que não pode produzir, a virtude que não consegue imitar, a ordem que não planejou, a liberdade que não controla. E como não pode se elevar, arrasta tudo ao seu nível.
É precisamente por isso que a revolução, embora prometa redenção, entrega escravidão. Promete emancipar o indivíduo e o transforma em estatística. Garante voz aos fracos e os converte em marionetes de um sistema totalitário. A família é dissolvida, a fé é zombada, a linguagem é corrompida, a cultura é reduzida a propaganda. Não se forma mais o homem; programa-se o rebanho.
A revolução é uma doença cultural com sintomas filosóficos. Ela inverte os polos morais: transforma o crime em direito e o dever em opressão. Cria um universo sem eixo, onde toda certeza é suspeita e toda dúvida ideológica é dogma. Quando a linguagem já não nomeia, quando o bem e o mal são categorias políticas, quando a mentira ocupa o lugar da memória, então, sim, ela venceu.
Contra esse delírio, não bastam medidas políticas ou reformas institucionais. O combate é anterior e mais profundo: é ontológico, epistemológico, espiritual. Rejeitar a revolução é escolher a realidade. É preferir o sacrifício da verdade à embriaguez da utopia. É amar aquilo que nos foi legado mais do que aquilo que se promete fabricar.
A revolução não é o ápice do progresso, é o colapso de todo enraizamento. É barbárie com maquiagem de justiça. É o trono vazio, erguido sobre os cadáveres dos que ainda ousavam lembrar que a ordem não nasce do grito, mas do logos. Resistir a ela, hoje, é mais do que um ato político, é um imperativo moral.
José Rodolfo G. H. de Almeida é escritor e editor do site www.conectados.site
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Revolution - Notes for an autopsy of perverted hope
Contrary to what the disciples of the new secular faith proclaim, revolution is not a spontaneous outcry of the oppressed; it is an intellectual fiction, meticulously designed by social engineers whose deep pathology is the denial of reality. Mistaken for moral rebellion, for nonconformity in the face of injustice, it is, in fact, an advanced symptom of nihilism, disguised as virtue.
Make no mistake: the typical revolutionary does not seek to correct the imperfections of the world, but to replace it with an ideological caricature. The revolutionary mentality is born of a refusal, not a proposal: a refusal of tradition, of spontaneous order, of cultural heritage, of natural hierarchy, of transcendence. Its utopia is a world where nothing precedes us, where everything can be reinvented to suit the taste of the resentful demiurge that inhabits it.
Every revolutionary is, at bottom, a liturgical iconoclast: his religion is the cult of demolition. He does not love the future, he hates the past. That is why his language is always one of rupture, never of continuity. His promise is not of edification, but of the annihilation of what is. His political imagination is destructive by definition. The revolutionary does not plant; he leaps over the seasons and demands the harvest before he even plows the land.
And violence, in this macabre theater, is not a collateral accident, but a sacrament. The guillotine is not a degeneration of the French Revolution, it is its epiphany. The Soviet concentration camps, the Maoist cultural purge, the summary executions in Cuba, the terror of the Khmer Rouge, all these are not deviations, but legitimate expressions of a principle that already contained, from the beginning, the seed of extermination.
The fundamental lie of the revolution, and here lies its diabolical cunning, is that history inevitably moves in its direction. An imaginary court is created, based on the “future”, before which every opponent is a defendant for anachronism. Those who still breathe the air of reality are labeled as reactionaries, retrogrades, obscurantists. And the verdict has already been given: the execution will not be discussed, only carried out, if not with weapons, with labels, silencing and public cancellations.
The engine of this mechanism is resentment. A deep and unspeakable resentment towards everything that transcends the revolutionary: the beauty he cannot produce, the virtue he cannot imitate, the order he did not plan, the freedom he does not control. And since he cannot elevate himself, he drags everything down to his level.
This is precisely why the revolution, although it promises redemption, delivers slavery. It promises to emancipate the individual and turns him into a statistic. It grants a voice to the weak and turns them into puppets of a totalitarian system. The family is dissolved, faith is mocked, language is corrupted, culture is reduced to propaganda. Man is no longer formed; the flock is programmed.
Revolution is a cultural disease with philosophical symptoms. It inverts the moral poles: it transforms crime into right and duty into oppression. It creates a universe without an axis, where every certainty is suspect and every ideological doubt is dogma. When language no longer names, when good and evil are political categories, when lies take the place of memory, then, yes, it has won.
Against this delirium, political measures or institutional reforms are not enough. The fight is earlier and deeper: it is ontological, epistemological, spiritual. Rejecting revolution is choosing reality. It is preferring the sacrifice of truth to the intoxication of utopia. It is loving what has been bequeathed to us more than what is promised to be manufactured.
Revolution is not the pinnacle of progress, it is the collapse of all roots. It is barbarism disguised as justice. It is the empty throne, erected over the corpses of those who still dared to remember that order does not come from shouting, but from logos. Resisting it today is more than a political act; it is a moral imperative.
José Rodolfo G. H. de Almeida is a writer and editor of the website www.conectados.site
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