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A Alma Filosófica Não se Produz em Laboratório

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Nem todo pensamento nasce do cálculo, da gramática das escolas ou das metodologias proféticas dos departamentos universitários. Há pensamentos que irrompem como ventos, súbitos, inclassificáveis, incômodos. E porque não se encaixam em nenhum molde, são descartados pelos espíritos domesticados. Mas isso não os torna menos reais. Pelo contrário. Há verdades que não precisam de aval, impõem-se, não por consenso, mas por evidência. Contudo, contra esse sopro da evidência, ergue-se a muralha da distração. Uma distração que já não é apenas ruído acidental, mas uma engenharia de embotamento psíquico. O homem moderno — ou melhor, o homúnculo digital — não apenas ignora, ele se disciplina para calar toda reverberação do invisível. Sua surdez não é passiva: é militante. Mas nem mesmo essa surdez programada, essa abdicação ativa da interioridade, consegue suprimir o mais escandaloso dos fatos: há uma ordem. E que ordem é essa? Certamente não falo da ordem newtoniana, que ainda inspira os aprendiz...

O Novo Bezerro de Ouro Usa Terno e Gravata

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  Há uma verdade que só os tolos recusam: toda autoridade que não se curva diante da transcendência termina exigindo adoração para si. O processo não é novo, apenas ganhou novos disfarces. Onde outrora se viam altares e sacrifícios, hoje se ergue o burocrata, o perito, o juiz togado, o algoritmo. A idolatria permanece, apenas trocou de vestimenta. A religião, ao contrário do que pensam os sociopatas de gabinete, nunca foi um delírio coletivo para amaciar as dores do mundo. Ela é, antes, a afirmação radical de um limite ontológico: existe algo — Alguém — superior ao poder humano. E é precisamente essa afirmação que o totalitarismo moderno não pode tolerar. Não se trata de conflito entre fé e razão, tolice iluminista, mas de um embate profundo entre o reconhecimento da transcendência e o impulso pelo controle absoluto. O problema não é Deus, mas o fato de que, com Ele, toda autoridade humana se torna relativa, pois está submetida a um juízo superior. Para o revolucionário, isto é int...

Afeto sem Verdade - A Receita da Manipulação

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Uma sociedade que troca a razão pela emoção não caminha rumo ao progresso, mas à demência coletiva. Nunca foi tão fácil comandar massas quanto sob a hegemonia do afeto, essa instância psíquica volátil, e, quando corrompida, absolutamente impermeável ao juízo moral. É neste terreno mole e turvo que se ergue o novo totalitarismo: não aquele dos porretes e fuzis, mas o que se infiltra nas carências emocionais, legitima-se em lágrimas e decreta sentença através do olhar lacrimoso de uma vítima profissionalizada. A compaixão, uma virtude outrora vinculada à ação concreta do bem, foi sequestrada e reduzida a performance estética. Em nome dela, cala-se o dissidente, pune-se o racional e celebra-se o incoerente desde que chore no tom adequado. O novo código moral não exige coerência nem verdade, mas sintonia afetiva. Quem não vibra com a frequência emocional do grupo é herege. E a heresia, neste novo culto, não é mais uma ideia errada é uma emoção desalinhada. A política contemporânea, como be...

Símbolos Queimados - Como Se Destrói uma Civilização

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Cultura, no sentido elevado do termo, sempre foi a atmosfera invisível que estrutura o espírito de uma civilização: o conjunto de símbolos, mitos, narrativas e rituais que ligam o homem ao eterno, ao verdadeiro, ao sagrado. Ela não é um adorno da vida, mas sua arquitetura invisível. Para o homem moderno, amputado de suas raízes metafísicas, “cultura” se tornou um rótulo publicitário, uma embalagem estética para o grotesco, uma moldura oca em torno de nada. O que antes era sacrário do logos, hoje é vitrine de vaidades. Essa transfiguração não foi espontânea, tampouco inevitável. Não é fruto do “progresso”, mas obra de um projeto, sim, um projeto cujos agentes souberam operar com precisão cirúrgica sobre as camadas simbólicas da sociedade. O marxismo cultural não é teoria da conspiração, é o nome vulgarizado de uma estratégia real, embora desdenhado pelos sabujos da academia, aqueles que se escondem, e buscam abrigo da realidade sob o guarda-chuva furado de Foucault ou Derrida. A Escola ...

A Morte da Consciência Individual

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Não há tirania mais eficaz do que aquela que prescinde de tirano. E não há servidão mais absoluta do que a de um povo que se acredita livre enquanto repete, com entusiasmo bovino, as palavras que lhe foram previamente escolhidas.  O desaparecimento da figura visível do opressor, sem que a opressão cesse a torna mais profunda, mais interiorizada, mais eficiente. É mais fácil resistir a um ditador explícito, como Stalin, Hitler ou Mao, porque ele está lá: encarnado, visível, com nome, rosto e culpa. Já quando a tirania se dispersa na cultura, nas instituições, nos algoritmos, nas normas sociais e morais aparentemente "espontâneas", a resistência se torna quase impossível. Ninguém sabe exatamente contra quem lutar. O próprio cidadão se torna cúmplice e executor da repressão, acreditando agir livremente.  É a lógica do panóptico: o prisioneiro internaliza o vigia. Ou, como dizia La Boétie, é a “servidão voluntária”, o estado em que o homem aprende a amar suas correntes, desde que...

Reflexões sobre Hegel e a Consagração do Anticristo

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Com um artifício conceitual que iludiu gerações de comentaristas distraídos, Hegel redefiniu sutilmente o próprio conceito de Estado. Já não se tratava, ali, de um ente concreto, de uma instituição visível e delimitável na moldura do tempo: o Estado era, antes, a culminação necessária de um processo. Não uma substância, mas uma fase, uma aurora tardia do espírito no pântano da História. O verdadeiro ente, nesta cosmovisão hegeliana, não era o Estado: era o próprio devir. Mas o devir, por essência, não é ente algum — é a negação do ente, é a transitoriedade pura, o deslizar do ser em direção ao nada. Eis a contradição majestosa e escondida à vista de todos: ao promover o movimento — o acontecer que acontece a si mesmo — à condição de realidade última, Hegel destitui de existência toda realidade concreta, todo homem, todo cosmos, toda coisa que ousasse afirmar uma identidade própria no tumulto dos séculos. A única realidade, então, seria essa História que se devora a si mesma, esse ...

A Ilusão do Saber Científico

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  O fato de alguém dominar o método da pesquisa científica não significa, nem de longe, que compreenda o fundamento cognitivo que o torna possível. Há uma diferença abissal entre praticar uma técnica e saber o que se está fazendo e, portanto, saber por que aquilo funciona. Nesse sentido, a esmagadora maioria dos chamados "cientistas" atuais, sobretudo os treinados em departamentos universitários, são para dizer o mínimo, meros operadores de um maquinário epistemológico cuja arquitetura desconhecem por completo. Um sujeito pode manipular equações, calibrar instrumentos, coletar dados e até publicar artigos revisados por pares, sem jamais ter se perguntado, por que esse método é considerado científico? O que o distingue de outras formas de conhecimento, inclusive aquelas tidas como "não científicas"? A resposta a essas perguntas exige mais do que um manual de metodologia científica. Exige filosofia e da boa, não da acadêmica. Comecemos com um conceito que toda a tradi...

O Ser Necessário e o Deus Pessoal

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Desde os primórdios da filosofia, a humanidade tem se debruçado sobre a questão fundamental da existência de Deus. Ao longo da história, diferentes tradições e sistemas de pensamento tentaram definir a natureza do divino, mas nenhum conceito se destaca tanto quanto o Deus revelado na Bíblia. Diferente das concepções mitológicas ou das abstrações filosóficas, o Deus bíblico não é uma entidade limitada pelo tempo e pelo espaço. Ele não é um ser que emergiu do caos, nem um mero arquétipo construído pela necessidade humana de ordem. Ele se apresenta como o próprio fundamento da realidade, o Ser Necessário, aquele que existe por Si mesmo. Ele é eterno, imutável, onipotente, onisciente e transcendente. E não necessita de súditos, não mendiga culto, não anseia por reconhecimento. Seu relacionamento com o homem não é um jogo de fragilidades emocionais divinas, é um chamado à realidade, um convite para que a criatura compreenda sua própria insuficiência e se reconcilie com a única Fonte da Vi...

A Verdade Não é Democrática – O Erro do Relativismo Intelectual

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  A filosofia moderna, quando não se torna um mero fetiche retórico para intelectuais de auditório, é um campo de batalha onde se digladiam concepções antagônicas sobre a realidade e o homem. Para os que ainda se atrevem a pensar sem as muletas do consenso acadêmico, torna-se claro que a grande questão de nossa época não é a descoberta de novas verdades, mas a reconstrução da capacidade humana de reconhecê-las. A decadência filosófica é fruto de um longo processo de abandono da inteligência em favor da conveniência. Ao destruir os pilares que sustentavam a investigação metafísica, a busca pela verdade objetiva, a ordenação hierárquica do conhecimento e a exigência de coerência interna, os pensadores modernos se entregaram à ilusão de que um discurso coerente é aquele que se adapta aos impulsos psicológicos do momento. Nessa inversão de valores, a verdade deixa de ser uma realidade objetiva e imutável, passando a ser reduzida a um cálculo de conveniência social, um produto da opiniã...